Mensagem de um velhinho

domingo, 2 de setembro de 2012

Personagens de Montão - Barroca

Não é todos os dias que recebemos um telefonema de um companheiro que já não ouvíamos nem víamos há mais de 50 anos !


Na verdade, não é fácil fechar no baú das memórias todo este emaranhado de sentimentos, emoções e recordações de um companheirismo e infância que se perdeu no tempo, mas que não se apagou.


É muito gratificante reviver estas sensações que nos fazem voltar a trás, caminhar durante largos momentos por todos aqueles montes e caminhos que tão profundamente marcaram a nossa infância, vivida e passada em grande parte calcorreando aqueles montes de chambelho guardando gado, fazendo magustos no tempo das castanhas, assando cogumelos a que nós chamávamos naquela época de “sentieiros”, fazendo migas, misturando o miolo da broa com o suco das “putegas” nascidas das raízes dos sargaços e depois em cima de uma pedra ou de um penedo era mexida aquela maçaroca toda e toca a comer todos juntos com uns garfos inventados no momento, feitos de pau de urze ou de pau de giesta.


No fim do dia todos contentes, lá regressávamos nós a casa pelos inconfundíveis caminhos de carros de bois ou de cabras e ovelhas, caminhos que se foram apagando, perdendo e desgastando ao longo destes 50 e tantos anos, mas que na memória de “ALGUNS” ainda permanecem intactos.


Recordo-me entre muitas outras coisas, que o Vitorino era um grande tocador de gaita, “nome da época”, feita de um pedaço de cana, com 5 buracos posteriores e um inferior se a memória não me atraiçoa. Não admira, pois também o irmão Manuel já era um grande guitarrista, um encanto ouvi-lo tocar guitarra acompanhado pelo cunhado José Fernandes a tocar viola e um violinista que neste preciso momento não me recordo o nome dele.


O Vitorino é quatro ou cinco anos mais velho do que eu, mas, mesmo assim ainda disputamos com outros companheiros alguns jogos de bilharda, peão, de bola feita de farrapos, ou ainda o botão que muitas vezes se arrancavam das próprias calças. No recinto dos rechães, eleito como o melhor Campo de Jogos de chambelho que até chegou a ter umas balizas inicialmente marcadas com um calhau de cada lado e mais tarde substituídos os calhaus por dois paus de pinheiro espetados no chão. Naquele bocado de terreno que nós preparamos para “Campo de Jogos Diversos” nunca cresceu mato nem ervas. Hoje estaria transformado numa mata intransitável não fosse o fogo quase anual ir queimando e consumindo tudo por onde passa deixando apenas as pedras e terra preta.


Um dia, quis o destino que o Vitorino partisse para a Africa em busca de uma vida melhor, e lá ficaram os montes de chambelho votados ao silêncio, sem mais ouvir as suas melodias e o lindo som daquela gaita que se fazia ouvir a grande, grande distância, e sem esse seu assíduo companheiro.


Tempos que se foram e com eles levaram a nossa infância, tempos que não se apagaram mais da nossa memória, mas que não voltarão nunca, nunca mais !


Agora depois de relida e virada esta nova página, resta-me agradecer ao Jorge Dias, por nos ter posto em contacto via telefone um com o outro ! Muito obrigado.


Aqui fica publicada a vossa fotografia, Vitorino e sobrinho Jorge Dias, que como tantas outras fazem parte das personagens que com muito gosto preenchem e compõem doravante o blog do Lugar de Montão.

3 comentários:

Anónimo disse...

griPeço desculpa pela minha ausência mas, desde que faleceu o meu Pai fiquei sem palavras. Mas hoje não podia deixar de comentar este texto maravilhoso do Neca, pois ainda ontem estive em Montão, e fui almoçar a Gralheira, e la falei precisamente nisso com o meu filho e marido, eu sou um bocadinho mais nova, mas comi muitas “pútegas” eles não fazem ideia do que aquilo é, ainda mexi lá uns sargaços mas não vi nada, gostava de lhes mostrar um bocadinho do que nós passávamos, mas enfim outros tempos, espero que não voltem, mas não sei, da maneira que o país vai vamos voltar a comer “pútegas”.
Vou comentar esta foto: estas caras não me são estranhas, passavam algumas vezes la por casa a visitar o meu Pai, o tempo parece não passar por eles o que é ótimo.
Já agora o homem do violino era o Sr. António da capela, ele tinha uma burra e vendia farinha, também tinha a mercearia, ainda me lembro do grupo coral que tínhamos lá em Montão onde eles também tocavam, bons tempos.
Cumprimentos para todos os bloguistas especialmente para o Neca e Lurdes, até um dia destes.
Beijos
Lurdes Reis

Neca disse...

Boa tarde Lurdes Reis.

Só quem já viu partir os pais, consegue compreender a tua dor !

Um dia voltarás a encontrar palavras, e voltarás a comentar passagens sobre a terra onde nasceste !!!
Tudo de bom para a vossa familia inteira....

Maria de Lurdes Campelo de Sousa Rodrigues disse...

Evocar o passado, com o fervor, a nostalgia e o sentimento do Neca é transpor-nos a todos, os que temos para além de meio século, para essa época, em que tudo nos dava alegria e servia para brincarmos. Não havia consolas, computadores, telemóveis, ou outros objetos tecnológicos que nos prendessem a atenção e ocupassem o nosso tempo. Mas, nem por isso, por nos faltar o que atualmente têm a mais as crianças, os jovens e os adultos, nos sentíamos infelizes. Pelo contrário, até o mais básico daquele tempo, como as gaitas de cana, as bonecas de então (umas pedras vestidas de panos), as bolas de trapos, o pião, a bilharda, a patela, as fragas que serviam para os mais corajosos deslizarem por ali abaixo, com a consequente tareia da mãe, quando chegassem a casa por terem rasgado as calças, as motas de madeira, com umas rodas improvisadas, tudo isto, faz a história da nossa infância.
Tantas vezes se diz e se ouve: "Recordar é viver". E é mesmo. Vivemos a recordar, umas situações mais agradáveis e outras simplesmente horríveis. Quantas vezes nos deleitamos com o que foi bom e derramamos lágrimas sobre a almofada que suporta perdas, desencantos e crueldades, que provocaram feridas abertas no nosso coração e que não conseguimos cicatrizar!!!
Por isso, não é de admirar que o silêncio algumas vezes seja o nosso escape, não nos apeteça a falar e que fiquemos sem palavras como diz tão bem a Lurdes Reis. Sinto-me assim,como tu, muitas vezes e nada nem ninguém é capaz de nos confortar.
Oh! se eu me lembro do grupo coral de Montão, do violino do Sr. António da burra, do bandolim do Sr. José Fernandes e das violas que os mais habilidosos e generosos dedilhavam! Quão madrasta é esta vida, porque o tempo não volta para trás, nunca mais se repete e dos momentos bons que passámos o que resta deles é apenas saudade.
Um beijinho a todos os que aparecem neste espaço para lhe dar vida e continuidade.
E ao meu irmão, que é a célula mãe deste blogue eu desejo que viva muitos anos connosco, para que não morra depressa esta oportunidade de vermos pessoas, de as reencontrarmos, de mergulharmos nas raízes genéticas e de exprimirmos os nossos sentimentos, deixo-lhe um abração amigo, fraternal e um beijo do coração.
Tua irmã - Lurdes